INTRODUÇÃO
O novo Código do Processo Civil promulgado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, instituiu inúmeras alterações no ordenamento jurídico. Uma delas foi a inserção do art. 15, onde dispõe a aplicação supletiva e subsidiária do CPC, nos Processos Eleitorais, Administrativos e Trabalhistas. Por um bom tempo se discutiu a autonomia do Processo do Trabalho, em especial a interação desse novo dispositivo, art. 15 do CPC, com o art. 769 da CLT, este último dispõe que em se tratando de casos omissos, o Direito Processual Civil será uma fonte subsidiária ao processo laboral.
Aplicar o CPC no procedimento laboral seria uma maneira de buscar alternativas normativas processuais que fossem eficazes para preencher as lacunas existentes na Consolidação. Afinal, se há regras processuais no CPC que sejam compatíveis com os princípios essenciais da CLT, essa seria possivelmente uma forma mais adequada de melhorar a eficiência da aplicação das normas que carecem ao Processo Trabalhista.
Dentre as inúmeras alterações trazidas pelo novo CPC, em particular, destaca-se, e é objeto deste estudo, a admissibilidade de forma subsidiária do art. 190 do CPC/2015[1] no Processo do Trabalho, que autoriza os negócios processuais atípicos. Essa alteração tem inquietado a doutrina e a jurisprudência, isso porque, versando sobre direitos que admitem a autocomposição, dispõe o art. 190 do CPC que é lícito aos litigantes, plenamente capazes, na medida em que seus interesses forem colocados sub judice ou até antes da propositura da ação, realizar alterações no processo de forma que se este se adapte às peculiaridades das partes e do bem jurídico em questão, como condição de subsunção ao ordenamento jurídico.
Surgiram então, entre os processualistas do Direito do Trabalho, dúvidas se a extensão da negociação processual regulamentada pelo CPC na seara trabalhista feririam os princípios essenciais da CLT, nos aspectos de vulnerabilidade do empregado, incompatibilidade das convenções diante da indisponibilidade/irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, disparidade econômico-financeira, fragilidade negocial e a debilidade jurídica do trabalhador em face do empregador, diante da subordinação que surge do vínculo laboral.
Em 2016, com o fito de colocar um ponto final nos levantamentos apontados sobre os acordos procedimentais no Processo do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST)
editou a Instrução Normativa nº 39[1] regularizando os dispositivos trazidos pelo Código de Processo Civil e especificando quanto à sua flexibilização procedimental. A Instrução Normativa nº 39/2016 cingiu-se a vetar a admissibilidade das convenções processuais atípicas à Lei laboral, gerando uma série de discussões sobre a sua validade, principalmente por que o TST nada fundamentou sobre seu impetuoso ato.
Aos dias 05 de maio de 2016, a ANAMATRA, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5516-DF) em face da IN nº 39/2016, com fundamento de violação aos art. 5º, incisos II, XXXVII e LIII; art. 95, incisos I, II e III, art. 96, § I, “a” e art. 22 § I da CF.[2] A Ação supracitada, até a presente data, ainda não havia sido julgada.
Em 2017, criou-se a expectativa de que os problemas que surgiram em razão da Instrução Normativa nº 39/2016 e do art. 190 do CPC/2015 fossem resolvidos com as inovações trazidas pela Reforma Trabalhista. Essa expectativa sucumbiu diante da reforma ter permanecido em silêncio quanto ao dispositivo objeto de discussão, o que desde então tem gerado grande polêmica e divergências sobre o tema. Afinal, acolher a interpretação de que um trabalhador pode celebrar acordos e procedimentos através dos negócios processuais atípicos é de igual forma entender pela liberdade de dar poderes às partes no âmbito do Direito Processual para que manifestem a vontade de autorregrar.
Tal assertiva da amplitude que possui a palavra “liberdade”, em princípio, gera medo e grande preocupação aos processualistas e defensores dos princípios essenciais do Processo do Trabalho. Afinal, o princípio da proteção está diretamente ligado ao cerceamento da ampla liberdade de contrato entre empregador e empregado com situações economicamente diferentes.
A visualização do trabalhador celebrando as convenções processuais atípicas no Processo do Trabalho macularia a imagem do trabalhador como sendo hipossuficiente, vulnerável e dependente, como é apreçado no Direito Material.
A aplicabilidade do art. 190 do CPC ao processo laboral traz, além das modificações no processo em curso, a possibilidade de negociação antes da busca da solução do litígio perante o Poder Judiciário. Essa negociação antes do ajuizamento da ação poderia ser celebrada também no ato da assinatura do contrato de trabalho ou até mesmo durante a validade do contrato entre empregador e empregado.
Diante disso, há preocupação quanto aos princípios basilares que alicerçam a Consolidação das Leis Trabalhistas e a Constituição Federal, ainda quanto a fragilidade que a cláusula geral de negociação processual traz na seara trabalhista.
Dessa forma, a presente proposta de pesquisa abordará inicialmente a hermenêutica entre o Processo do Trabalho e o Civil que se faz necessária para o entendimento da aplicação supletiva e subsidiária do art. 190 do CPC ao Processo do Trabalho. Também serão abordados os princípios essenciais da CLT e da Constituição, bem como o princípio do Respeito ao autorregramento, princípio da cooperação e os problemas enfrentados para a admissibilidade dos acordos processuais. Serão analisados também os negócios processuais como alternativas de resoluções de disputas e as possibilidades de soluções para dilemas encontrados.
JUSTIFICATIVA
Há quase 40 anos já se falava em convenções das partes sobre matéria processual[1], e o tema ainda hoje guarda grande relevância sobre as questões, tanto na área do Direito Processual Civil, quanto na área do Processo do Trabalho, se mantendo atual. A delimitação do tema se restringe à admissibilidade dos negócios jurídicos processuais atípicos em matéria laboral. As questões trazidas pelo presente trabalho ainda não foram pacificadas. Sejam pelas novidades trazidas pelo novel CPC, pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5516-DF) que até a presente data ainda não foi julgada ou seja pela Reforma Trabalhista que se manteve inerte sobre o assunto.
Explorar o respeito ao princípio do autorregramento das partes e à negociação processual atípica no Processo do Trabalho traz repercussões de real relevância, ao passo que ainda não foram estagnadas as linhas a serem estudadas nesse campo. Aliás, não só a admissibilidade do art. 190 do CPC no Processo do Trabalho, mas tudo o que sua aceitação ou não poderá acarretar na busca da tutela jurisdicional recorrida aos que dela necessitam.
E além de um estudo bibliográfico apurando a compatibilidade das convenções processuais atípicas, ao passo que se avance na pesquisa bibliográfica, será verificada a viabilidade do instituto ao procedimento laboral na prática, fazendo-se necessária também uma análise nos Tribunais Regionais do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro e Tribunal Superior do Trabalho de como a negociação processual atípica está sendo decidida e se sua aplicabilidade está sendo alcançada pelas partes, ou seja, se na prática as jurisprudências dos tribunais a respeito do art. 190 do CPC no Processo do Trabalho tem eficácia e se as partes possuem discernimento suficiente para realizar os acordos procedimentais sem ferir os princípios basilares do direito laboral.
Diante disso, se faz necessária uma análise jurisprudencial das decisões e conteúdos dela extraídos, avaliando se os negócios processuais atípicos realizados na Justiça do Trabalho têm afetado seus princípios essenciais e se admissibilidade à celebração dos negócios processuais atípicos estão facilitando as partes em solucionar os conflitos trabalhistas.
De acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça, o órgão do Poder Judiciário que mais faz conciliação ainda é a Justiça Trabalhista, que solucionou em 2019 por meio de acordos 24% dos litígios, percentual este que contabilizando apenas a fase de conhecimento aumenta para 39%. No TRT1 esse número fica em 30,1% no 1º grau e 1,0% apenas no 2º grau. Porém, esse valor decaiu de 2018 para 2019, sofrendo uma redução de 23,7% para 22,8% na totalidade dos tribunais.[1] Desta forma, faz-se necessário o estudo para verificar a aplicação do art. 190 do CPC como meio alternativo para a solução de conflitos trabalhistas.
A sobrecarga do Poder Judiciário é um problema que não é recente, ou seja, é algo que vem se acumulando ano após ano com o surgimento de novas demandas, principalmente na esfera trabalhista, que com o nível de desemprego atual e crises financeiras vêm gerando o esgotamento da Justiça Trabalhista. A junção de um Poder Judiciário exaustivo com meios adequados para solucionar o conflito trazidos pelo CPC/2015, poderiam trazer mais liberdade para que empregado e empregador empenhem-se em buscar meios pelos quais facilitem o andamento processual e a negociação do Processo do Trabalho com o fito de se adequar às peculiaridades das partes envolvidas.
Afinal, o processo não deve ser visualizado de forma isolada, mas sim verificada sua aplicação de forma mais ampla, como um processo social com finalidade de coletividade. Assim como o conceito de acesso à justiça o define. Embora os litigantes tragam diferentes pensamentos para a solução do litigio, eles poderão acordar a melhor maneira de adequar o caminho para resolver o conflito. Podendo dessa forma, ser usada tanto como autocomposição quanto para acordos procedimentais, com o intuito de que pactos não sejam usados apenas para dar fim ao processo, mas para serem eficazes.
O ordenamento infraconstitucional se interpreta naturalmente a partir da Constituição Federal, que é o instrumento que enraíza todos os Direitos Fundamentais. A hermenêutica da autonomia da vontade das partes, à luz dos princípios constitucionais, poderá ser visualizada como uma ferramenta contributiva e de cooperação entre as partes para materializar na prática as garantias e princípios constitucionais, porém precisa trazer também segurança para as partes que são hipossuficientes na relação de trabalho.
Apesar de existir uma certa independência do Processo do Trabalho, partindo da premissa de que todo o sistema processual tem uma convivência harmoniosa com os princípios constitucionais[1], ou seja, com objetivos e princípios comuns a todos, todos os sistemas têm a finalidade em comum de providenciar uma tutela jurisdicional adequada e de dirimir conflitos.
Nesta perspectiva, o art. 15 do CPC traz uma teoria geral no ramo processual, buscando compartilhar os princípios deste e estabelecendo um diálogo entre as fontes normativas processuais[2]. Prevalecendo o entendimento de que o art. 15 do CPC e o art. 769 da CLT não se contrariam e sim se harmonizam.[3] A legislação do Processo Civil poderá ser aplicada de forma subsidiária e supletiva em casos de lacunas normativas, axiológicas e ontológicas[4][5] encontradas na Consolidação das Leis do Trabalho.
De forma mais abrangente, havendo colmatação na lacuna da CLT e cumprindo-se o requisito para utilizar a norma do procedimento comum, poderia ser utilizado o art. 190 do CPC quanto aos negócios processuais atípicos na CLT. A problemática envolve a compatibilidade dessa norma com todo o diálogo que traz a busca de proteção aos princípios basilares do Direito do Trabalho.
Afinal, se é certo que o direito Processual do Trabalho deve ser usado como instrumento de efetividade ao sistema juslaboral e guiado pelos mesmos princípios do Direito Material[6], entender que as partes podem celebrar as convenções processuais atípicas é possibilitar a livre escolha dos litigantes de usar a instrumentalidade do processo de forma que se adeque às peculiaridades de cada caso.
As convenções processuais atípicas envolvem acordos procedimentais em matéria recursal, na execução e execução provisória, acordos sobre número de testemunhas, matérias de provas, redução ou aumento de prazos, suspenção do processo por acordo, adiantamento ou antecipação da audiência, impenhorabilidade, negociação sobre o custeio de custas e honorários, acordos sobre instância única, dentre outros. Essas são decisões que refletem a aproximação das partes e a construção dialógica sobre o litígio em comum e que podem trazer a lume alternativas de composição de litígios.
No entendimento do Fernando Gajardoni[1], para a validade das convenções processuais celebradas antes ou no decorrer do processo, é necessário que:
“a) as partes sejam capazes; b) o objeto seja lícito; c) a forma seja a prescrita ou não defesa em lei; e d) que seja respeitada a autonomia da vontade das partes celebrantes. ”
Desta forma, os negócios processuais atípicos buscam impulsionar a mudança no sistema processual e convencionar sobre ônus, poderes, deveres processuais e faculdades, celebrados ao longo do processo ou até mesmo antes de iniciar a busca de solução da lide perante o judiciário.
Numa ideia mais grosseira sobre os preceitos anteditos, um dos problemas que engessam a aplicação do art. 190 do CPC no processo laboral, é que ao personalizar o caminho processual pode-se causar uma “desordem procedimental”, porque afinal, o processo existe para limitar e impor regras às quais as partes devem cumprir, sob penas elencadas nos artigos em lei. Além do mais, precisa-se pautar se as convenções poderiam afetar o princípio da razoável duração do processo. Se não bastasse um judiciário abarrotado de tantas demandas judiciais, a possibilidade das partes alterarem o número de testemunhas, remarcarem audiências, definirem prazos, dentre outros exemplos, poderia gerar uma demora maior na demanda e maiores custos ao judiciário, ferindo o princípio da celeridade processual. Há de se atentar ao peso desse princípio pela importância de os créditos trabalhistas serem de natureza alimentar.
Em contrapartida, também não se pode olvidar que o princípio da cooperação está diretamente ligado à redução dos custos do processo para as partes e para o sistema judiciário,
tendo em vista gastos envolvendo advogado, produção de provas, etc.[1] Afinal, quando os litigantes se beneficiam do cooperativismo, trabalhando para a resolução do litígio de forma consensual, trazem à lide o melhor caminho para conduzir o processo, evitam custos que poderiam ser desnecessários. Portanto, o princípio da cooperação estaria envelopado com a negociação processual.
A posição de Manoel Antônio Teixeira Filho, sobre a admissibilidade do art. 190 do CPC no Processo do Trabalho, mostra preocupação principalmente com o art. 791 da CLT, que atribui aos litigantes a faculdade de ingressar no judiciário sem a necessidade de advogado. Mesmo seguindo a linha de que fosse obrigatória a atuação de um advogado, esse procedimento que permite ao art. 190 do CPC moldar o processo laboral representaria o grande risco se recaírem os deveres processuais e ônus ao trabalhador.[2] Aliás, se convenções atípicas pudessem ser acordadas desde antes da propositura da ação, as partes poderiam definir os acordos procedimentais na assinatura do contrato de trabalho ou até mesmo durante o contrato trabalhista, onde se presume que o trabalhador estaria sem a presença de advogado. Isso significa que haveria fortes indícios que esse trabalhador estaria totalmente vulnerável.
Em seu livro, o Ministro do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho, fazendo breves premissas dos princípios do Processo do Trabalho, rotula de forma sucinta que em se tratando de interesse público, a flexibilidade das normas não seria possível por vontade dos litigantes ou até mesmo em negociação coletiva. Faz alusão ainda à Instrução Normativa nº 39 do TST onde dispõe que o art. 190 do CPC não se aplica ao processo laboral.[3]
Para a Associação dos Magistrados, a Instrução Normativa nº 39 do TST não pode decidir quais dispositivos têm ou não têm aplicabilidade ao Processo do Trabalho, perante a falta de competência do TST.
Nesse ínterim, há preocupação quanto à fragilidade do art. 190 do CPC na seara trabalhista nos aspectos de vulnerabilidade do empregado, hipossuficiência da parte, fragilidade negocial e a dependência do empregado em face do empregador.
Nessa perspectiva, outra questão que é levantada é sobre a incompatibilidade das convenções diante da indisponibilidade/irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Sendo o direito processual um dos campos do direito público, caracterizando-se por ter uma intervenção mínima estatal nas relações de trabalho, os acordos processuais poderiam afrontar os direitos fundamentais perante o art. 7º da Constituição Federal, além dos arts. 9º, 444 e 468 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Em regra, esses direitos seriam irrenunciáveis e insuscetíveis de serem alterados pela vontade das partes.
Importante salientar a posição de Carolina Tupinambá[1] coloca uma dúvida ao status quo:
“ora, se a ideia é proteger o empregado, impedi-lo de dispor de direitos que titularize pode ser um excelente instrumento (será?)”.
A premissa de que a indisponibilidade seria um princípio implícito constitucional, principalmente com a justificativa de ser voltado para a proteção do trabalhador, ao que parece seria apenas um argumento para continuar a estagnar o Processo Trabalhista, ao invés de ampliar a ideia de um Direito Trabalhista contemporâneo, evoluído, disposto e aberto a conciliação até dentro do lapso processual.
Ainda para Tupinambá, a indisponibilidade seria uma norma principiológica e não uma regra. Dessa forma, seria possível a convivência harmoniosa entre o princípio da irrenunciabilidade com o da autonomia das partes.[2]
Insta asseverar, que se de um lado existe um princípio que assegura uma proteção ao trabalhador, tendo em vista a sua condição de hipossuficiência, de outro se tem o direito à liberdade de decidir a melhor trajetória do processo para as partes envolvidas, ou seja, o princípio do respeito ao autorregramento das partes.
Segundo Fredie Didier Jr.[3]: “O direito de regular a própria existência, de construir o próprio caminho e de fazer escolhas. Autonomia privada ou autorregramento da vontade é um dos pilares da liberdade e dimensão inafastável da dignidade da pessoa humana.”
Ainda, segundo o autor, um processo que limitasse o exercício das partes de expressar a liberdade que a própria Constituição Brasileira assegura, não seria considerado um processo devido.
Se de um lado a compreensão acerca do princípio do respeito ao autorregramento das partes alcançou níveis evolucionais no Direito Civil, sendo visto como poderes dos sujeitos de decidirem seus caminhos, de outro lado a resolução de conflitos e autocomposição podem ganhar novas perspectivas na contemporaneidade.
Neste mesmo sentido, leciona Leonardo Greco[1]:
Afinal, se o processo judicial não é apenas coisa das partes, são elas as destinatárias da tutela jurisdicional e são os seus interesses que a decisão judicial diretamente atinge, e, através deles, os seus fins últimos, embora remotos e abstratos, de tutela do interesse geral da coletividade, do bem comum e da paz social.
O CPC aspira impulsionar as soluções de conflitos e trazer maior flexibilidade do procedimento às necessidades das partes envolvidas, que não se estendem somente ao procedimento comum, mas a toda esfera judicial. Portanto, o CPC vislumbra ares de um processo democrático, que se preocupa em valorizar o consenso, a melhor maneira de personalizar o caminho para a busca de composição de litígios e não apenas a busca da própria sentença em si.[2]
Pacificar conflitos, notoriamente, significa harmonizar, apaziguar ideias diferentes, em outras palavras, buscar o equilíbrio entre os problemas espelhados. E de fato, o art. 190 do CPC traz de início uma certa leveza, singularidade e empolgante liberdade de escolhas, como oferecendo aos litigantes um “livre arbítrio”.
Conforme ensina Antônio do Passo Cabral[3]:
De fato, os litigantes têm autonomia para invocar suas prerrogativas processuais e exercê-las, mas possuem também possibilidade de abdicar delas, podendo renunciar às garantias processuais mínimas estabelecidas em se favor em razão da principiológica do direito processual civil. E podem fazê-lo não apenas por negócios unilaterais, mas por convenções.
Aliás, embora não se possa negar uma certa existência de vulnerabilidade do trabalhador, a mesma não poderia simplesmente ser presumida para todos os casos. Afinal, existem empregados de grandes empresas e funcionários de multinacionais que não carregam como característica essa vulnerabilidade. Portanto, o Processo Trabalhista não deve proteger o trabalhador simplesmente por esse fato, por ser “trabalhador”, mas sim pela busca do equilíbrio de forças em um processo justo.[4]
CONCLUSÃO
Entretanto, ao se presumir que nem todos os trabalhadores estão sujeitos a fragilidade negocial, há de ser questionar se, ainda que fosse constatado que somente uma pequena parte dos empregados que ingressam com ações judiciais fossem vulneráveis, por quem e de qual forma eles estariam protegidos? Afinal, se para as partes realizarem os acordos procedimentais no Processo do Trabalho fosse necessária a anuência do magistrado, não estaria esta subordinação ferindo o conceito do princípio do respeito ao autorregramento das partes que optaram por realizar as convenções?
Se o juiz não faz parte da negociação, somente controla a validade dos acordos procedimentais e poderia recusar as convenções quando uma das partes se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade[1], como o magistrado formaria um conceito sobre qual parte é vulnerável para celebrar os acordos processuais e qual litigante tem ou não tem capacidade técnica e fática para convencionar?
REFERÊNCIAS
[1] Dispõe o caput do art. 190 do CPC: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. ”
[1] Dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva. Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: (…) II – art. 190 e parágrafo único (negociação processual).
[1] BRASIL, Suprema Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5516-DF. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4977107. Acesso em 19/07/2021.
[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Convenções das partes sabre matéria processual. Terceira Série. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 87-98.
[1] BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 13/07/2021, p. 175-176.
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 77.
[1] TUPINAMBÁ, Carolina. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. In CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.). 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016, p.93.
[1] SCHIAVI, Mauro. Execuções no Processo do Trabalho. 13ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 76.
[1] DINIZ, Maria Helena. As Lacunas do Direito. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 95.
[1] TUPINAMBÁ, Carolina. Op. Cit., p.94.
[1] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O conflito entre o novo CPC e o processo do trabalho. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. São Paulo, Vol. 79, nº. 8, ago/2015, p. 957-980.
[1] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Convenções processuais atípicas na execução civil. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP UERJ. Vol.22/2021, p. 287.
[1] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; ALVES, Tatiana Machado. A relevância da negociação com princípios na discussão das cláusulas de convenção processual: aplicação concreta dos postulados da advocacia colaborativa. Revista de Processo. São Paulo, Vol. 41, Nº 258, 2016, p. 135.
[1] TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Comentários ao Novo Código de Processual Civil sob a perspectiva do processo do trabalho, 2ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 226-227.
[1] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de direito do Trabalho e processo do trabalho, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 232.
[1] TUPINAMBÁ, Carolina (coord.) Ao seu Dispor! A Lenda da Indisponibilidade dos Direitos do Trabalhadores. Soluções de conflitos Trabalhistas: novos caminhos. São Paulo: LTr, 2018, p. 49.
[1] TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Op. cit., p. 50-51.
[1] DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual. 18ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 133.
[1] GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP UERJ. Vol. 01/2007, p. 2.
[1] CUNHA, Leonardo Carneiro Da. Comentários ao novo Código de Processo Civil. In CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.), Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 413.
[1] CABRAL, Antônio do Passo, Convenções Processuais. Salvador, JusPodivm, 2016, p. 143.
[1] TUPINAMBÁ, Carolina. Garantias do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.61-62.
[1] Dispõe o parágrafo único do art. 190 do CPC: “De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. ”
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